domingo, 1 de janeiro de 2012

Chame o ladrão

A reportagem de Veja, de 21 de dezembro de 2011, a qual se refere ao desvio de conduta de policiais militares do Rio de Janeiro, "kit PM", é de fazer corar de raiva qualquer punguista mequetrefe e ladrões de galinhas. Esses hão de dizer, com toda razão: assim não dá, isso é concorrência desleal com a categoria. Bandido é bandido e polícia é policia já dizia Lúcio Flávio, um bandido famoso que viveu no Rio de Janeiro nos idos de 70. É, mas foi no  passado, hoje eles estão todos juntos e misturados, ninguém sabe mais quem é quem. O Sistema é bruto. Há algumas recomendações a serem seguidas quando abordados por policias na rua, seja de dia ou à noite e, uma dessas é pronunciar as seguintes palavras: sim senhor, não senhor e quero ir embora. Caso o cidadão tenha tempo e sorte de pronunciá-las, pode ser que escape de tomar uns pescoções. Mas, por outro lado, corre o risco de ficar sem a carteira.

O tal kit, segundo a Revista, é constituído de peças básicas dos veículos tais como chaves de roda, triângulo e stepes. Esse material é surrupiado dos veículos roubados e recuperados por policiais desonestos, os quais fazem a limpa antes de devolvê-los aos respectivos donos, uma espécie de butim. Ou seja, o cidadão é duplamente roubado nesse caso.

 Acontece que policial corrupto tem em todo lugar do mundo. No Brasil esse fenômeno não é uma regra e não se deve generalizar, pois a grande maioria das corporações policiais é composta por homens honestos e cumpridores das suas obrigações. Então, é bom que se diga que os policiais não vêm de outro planeta, não. Eles saem do seio da própria sociedade. Essa que, ao mesmo tempo em que lhe cobra retidão de caráter, os rejeita sem cerimônia.

Tenho parentes no nordeste cuja atividade é o transporte de cargas e, uma das coisas que mais os intrigam, pois várias vezes me fizeram comentários a respeito, é que eles não entendem como policiais rodoviários são capazes de aceitar propinas em qualquer numerário acima de um real. Ora, a equação é simples: a galinha enche o papo de grão em grão. O importante não são os dois ou três reais que aceitam de um caminhoneiro, coisa que nem flanelinha aceita de bom grado, e sim o resultado final durante um mês inteiro de arrecadação. Levando-se em conta o movimento de caminhão nas estradas, que não é pouco, pode-se ter uma ideia de quão vantajosa é essa rotina de pinga- pinga.

Assim, no caso dos policiais militares do Rio de Janeiro, é possível compreender porque um "kit PM" pode ser adquirido, no mercado negro, a partir de 60 reais, enquanto que no mercado legal esse mesmo kit alcança a quantia de 500 reais.  Esse numerário, 60 reais, pode parecer pouco, mas é muito, já que se trata de produto de roubo e roubo é crime. Se praticado por servidor público tem agravante.
O policial deve acreditar na lei e na ordem de um modo curiosamente inocente. Acredita nisso mais do que o público a quem ele serve. Afinal de contas, a lei e a ordem é a mágica de onde extrai o poder individual que ele acalenta, como quase todos os homens. Contudo, há sempre o ressentimento reprimido contra o público a quem serve. Ele é ao mesmo tempo seu guarda e sua presa. Como guarda é ingrato, abusado e exigente. Como presa é escorregadio e perigoso, cheio de manhas. Logo que alguém cai nas garras de um policial, o mecanismo da sociedade que ele defende reúne todos os seus recursos para arrancar a presa de suas mãos. A prisão logo é relaxada. Juízes dão sursis tolerantes aos piores bandidos. Governadores e até o próprio presidente da República concede os perdões plenos, admitindo que advogados respeitáveis que não obtiveram a sua absolvição. Depois de algum tempo o policial aprende. Por que não receber esses honorários que os bandidos estão pagando? Mais do que ninguém ele precisa disso. Por que seus filhos não devem frequentar a faculdade? Por que sua mulher não deve comprar nas lojas mais caras? Por que ele não pode gozar umas férias merecidas? Afinal de contas ele arrisca a vida para proteger a sociedade e isso não é brincadeira.

O diálogo do parágrafo acima está contido no livro o Chefão, de Mário Puzo, capítulo 17, que deu origem ao filme O Poderoso Chefão. Mas, para nós brasileiros o assunto encontra-se atualizado. O que vemos por aqui é a ausência total da ética, dos bons costumes, do respeito pelo próximo, a prática dos vícios e maus costumes; o jeitinho brasileiro, a arte de passar a perna nos outros. Enfim, o que prospera mesmo é a corrupção, agora rebatizada de malfeitorias pelos sofistas modernos.

A ética, por si só, não é uma simples palavra solta ao vento, é um conceito que vem desde que os homens resolveram viver em sociedade. O maior filósofo que disseminou a ética no mundo foi Jesus Cristo quando deixou o ensinamento, o qual todos deveriam seguir, de que "deveria ser dado a César o que era de César e a Deus o que era de Deus", ou seja, que cada um deveria cuidar do que lhe pertencia e deixar de querer avançar no alheio. Mas essa palavra, ética, que deveria nortear a convivência pacifica entre os homens foi prostituída, foi jogada na vala comum de uns tempos para cá. Portanto, do jeito que a coisa caminha, se em algum momento da vida um cidadão, por um infortúnio qualquer precisar de polícia, seja nas ruas ou nos gabinetes refrigerados, ao invés de chamar o ramal 190 é melhor chamar 171.Chame o ladrão, pode sair mais barato.

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